Publicado em RTP, 2011-09-09
Foi anunciado ontem, Dia Internacional da Alfabetização, no site do Projeto Gutenberg, que Michael Hart, um dos grandes pioneiros da alfabetização eletrónica e inventor do conceito de e-book, morreu aos 64 anos na terça-feira.
Michael Hart estudava na Universidade de Illinois e, em 1971, foi-lhe dado tempo ilimitado para trabalhar num enorme computador Xerox no laboratório da Materials Research. O valor deste presente, dada a enorme despesa de compra e execução de tais máquinas, foi calculado em cerca de 72 milhões de euros.
O fundador do Projeto Gutenberg tentou aproveitar ao máximo o tempo que lhe foi disponibilizado naquela máquina, que era sobretudo usada para processar dados, mas que também estava ligada à ARPAnet, parte do que mais tarde viria a ser a internet.
E talvez os livros eletrónicos não existissem hoje se Hart não tivesse usado o seu tempo a escrever a Declaração de Independência dos Estados Unidos no computador depois de a ter recebido num supermercado, impressa num flyer sobre as festas do Dia da Independência, o 4 de julho. Inspirou-se e decidiu torná-la acessível a outras pessoas, gesto que definiria o nascer de um conceito revolucionário.
Escreveu o texto em maiúsculas, visto que na altura ainda não havia a hipótese de escrever em minúsculas, e enviou uma mensagem para a ARPAnet a informar que a Declaração estava agora disponível para download. Seis pessoas aceitaram a oferta e assim nasceu o primeiro e-book.
Depois copiou a Bíblia e mais 100 obras de ficção e percebeu que tinha uma nova missão: transcrever e disponibilizar online textos que fossem do domínio público. Criou uma base de dados que funciona como uma grande biblioteca universal acessível a partir dos computadores de todo o mundo.
Kama Sutra é o livro mais procurado
As Obras Completas de Shakespeare entraram em 1994, altura em que a internet e a World Wide Web já tinham sido inventadas. Em 1997 entrou o livro número 1000 no Projeto Gutenberg, A Divina Comédia de Dante, no original italiano. Hoje, é uma biblioteca digital gratuita, com mais de 36 mil livros, em mais de 40 idiomas. Os livros com mais downloads actualmente são, por esta ordem, Kama Sutra de Vatsyayana, As Aventuras de Sherlock Holmes e Orgulho e Preconceito de Jane Austen.
Trata-se de uma rede social em que qualquer utilizador pode participar (incluindo em português) voluntariando-se para digitalizar, copiar e rever obras literárias isentas de direitos de autor, para que sejam, depois, postas ao dispor de leitores de todo o mundo. Algumas obras com direitos de autor foram doadas ao projeto.
"Ele olhava constantemente para o futuro, antecipava avanços tecnológicos. Uma das suas especulações preferidas era que um dia, toda a gente poderia ter a sua própria cópia da coleção do Projeto Gutenberg. Esta visão tornou-se realidade", pode ler-se no obituário publicado no site do projeto.
Parte do que define a internet, além de outras características, é o enorme potencial que tem para dinamizar a distribuição gratuita e reproduzível de informação. Hart escreveu em julho deste ano: "Os e-books são a primeira coisa que todos nós podemos ter, na quantidade que quisermos, depois do ar."
"Michael Hart deixou uma grande marca no mundo. A invenção do e-book não foi simplesmente uma inovação tecnológica ou um precursor do ambiente moderno da informação. O acesso aos e-books pode assim proporcionar uma oportunidade para o aumento da literacia. A literacia, e as ideias contidas na literatura, criam oportunidades", lê-se no obituário.
Os livros do Projeto Gutenberg estão agora disponíveis para download no Kindle, no Nook, no iPhone e nos telemóveis Android, bem como em qualquer computador pessoal com acesso à internet.
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