in iOnline, por Clara Silva, 07 de Janeiro de 2011
Abriu o mês passado no Hotel da Estrela, em Lisboa, e são os alunos da escola de hotelaria ao lado quem cozinha e serve às mesas.
Não se deixe enganar pelo nome do restaurante. Apesar de se chamar Cantina da Estrela e de estar decorado com quadros de ardósia e mesas antigas de madeira, a comida nada tem a ver com aquela que é servida em tabuleiros de plástico na maior parte das cantinas de escola. Basta observar a ementa, encaixada num dossiê com vários separadores, como se fosse um caderno de sumários, para perceber que os pratos aqui são outros: "risotto de balsâmico com foie gras", "bacalhau com todos em cocotte", "peixe do dia em bouillabaise cá das nossas" e outros que tais enfeitados com expressões francesas, italianas e, claro, portuguesas, como "borreguinho que se desfaz na boca".
"A maior parte dos pratos são servidos em tachos e escolhemos o nome ''Cantina'' por ser uma comida aconchegadora, como a que se come em casa", explica Luís Casinhas, chefe de cozinha do restaurante que abriu portas no início de Dezembro no Hotel da Estrela, em Lisboa. Luís tem dupla responsabilidade: além de ser chefe de cozinha, tem de controlar a equipa de alunos que ali trabalha todos os dias, vinda da Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa, mesmo ao lado do restaurante. "Todos os profissionais do hotel são alunos da escola, tanto na cozinha como nos quartos ou na recepção", diz o chefe. "É um hotel de aplicação e como a escola tem quase 400 alunos temos uma equipa diferente todos os dias."
A ementa é fixa, mas o facto de a brigada de cozinha ser rotativa pode dar algumas dores de cabeça a Luís: "A parte cansativa é ter de explicar as mesmas coisas várias vezes... de manhã estão uns, à tarde estão outros... E depois responder sempre às mesmas perguntas: ''Onde é que é a torneira?'' Onde é que está o recipiente?''"
NA COZINHA
Gonçalo Henriques, de 31 anos, está pela primeira vez a cumprir as horas de estágio do seu curso de Gestão e Produção de Cozinha na Cantina da Estrela. "Hoje já tratei da parte da mise en place [a etapa inicial da preparação de um prato em que se medem, descascam e cortam os ingredientes], estive a arranjar polvo e a deixá-lo em vácuo e a preparar bacalhau", conta o aluno, que antes de querer ser chefe de cozinha trabalhava numa mediadora de seguros. "A parte pior é quando começam a chegar muitos clientes, trabalhamos com mais velocidade e entra-se no tal ''lodo'', uma expressão que se usa nesta área para quando há muito serviço."
À noite, Gonçalo trabalha noutro restaurante e por isso já tem experiência nos tachos, mas há alunos que aparecem sem saberem cozinhar. "Embora as aulas tenham uma componente prática, é no restaurante que se aprendem as técnicas e se ganha o brio de ser cozinheiro", diz o chefe Luís que em Dezembro recebeu mais de 70 estagiários. "Até alunos de outras escolas nos pedem para trabalhar aqui."
AVALIAÇÃO
O restaurante fica num dos edifícios onde em tempos funcionou a Escola Secundária Machado de Castro e não se quis esquecer disso. "Para a decoração fomos ao Parque Escolar [empresa pública para a modernização de escolas secundárias] buscar mesas, cadeiras e quadros de escolas que foram demolidas", conta Elisabete Guilherme, responsável de sala do restaurante. E sem esquecer o espírito de avaliação das escolas, os pratos escolhidos pelos clientes também estão à prova. "Existe um preço mínimo e um preço máximo e os clientes pagam o que quiserem consoante gostem dos pratos ou não", diz o chefe Luís Casinhas. "Por exemplo se gostarem muito da nossa sopa de peixe com brunesa de legumes podem dar a nota máxima e pagar 5 euros. Se acharem que precisa de mais picante podem pagar 3 euros, ou dar a nota mínima [2,5 euros]. É uma boa maneira de avaliarmos e aperfeiçoarmos os pratos."
Elisabete garante que, durante o primeiro mês, os clientes "foram justos e não deram a nota mínima só para pagarem menos". "Aliás até costumam deixar [na conta que é a mesma folha da ementa] observações para os alunos".
COPOS PARTIDOS
Não é a primeira vez que Mariana Ferraria, de 19 anos, e Kevin Pereira, de 20 anos, servem às mesas na Cantina da Estrela. "Já fiz serviço mais vezes e estive aqui nas férias", conta Mariana que desde Setembro está no curso de Gestão Hoteleira, Restaurante e Bar. "Faz parte da componente prática do curso e debitam-nos nas horas de estágio." Entre as disciplinas do curso estão várias técnicas como a de Serviço de Cozinha Quente e Serviço de Cozinha Fria. Mas as coisas nem sempre correm bem. "Eu já tive dificuldade em abrir uma garrafa de vinho que é uma coisa que aprendemos nas aulas", confessa Kevin. Mariana teve mais azar: "Quando ia pôr a imperial na mesa, o copo escorregou para cima de uma cliente e partiu-se na cadeira. Mas ela compreendeu, sabe que somos alunos."
Cantina da Estrela, Rua Saraiva de Carvalho, 35, Lisboa. De segunda a sábado das 12h30 às 15h30 e das 19h30 às 22h30. Preço Médio: 25 euros; Tel: 21 190 01 00