in Jornal de Notícias, 2011-09-20, Ana Sousa Dias
Ferro, pequena freguesia da Covilhã, transforma sucata em vacinas, e isto não é uma metáfora nem um passe de mágica. É saber gerir os escassos meios disponíveis, em benefício da população.
Aprendi uma História de Portugal feita de heróis, alguns dos quais, percebi mais tarde, eram mais ou menos inventados. Já houve muitas discussões teóricas e práticas sobre a ideia de herói, não sei acrescentar nada a isso. O que quero trazer aqui é uma história com h pequeno, mas cheia de gente dentro: heróis, pois claro. A Junta de Freguesia de Ferro, na Covilhã, transforma sucata, móveis e electrodomésticos velhos em vacinas gratuitas para os bebés.
Não conheço Ferro, já atravessei certamente a freguesia pela A23 (uma ex-scut), mas não tenho ideia de ter percorrido os caminhos nem as aldeias. Fui espreitar na Internet, vi paisagens amplas com e sem neve, a serra ao longe, percebi que a produção de fruta está a correr bem e gostei da fotografia da capela do Sagrado Coração de Maria.
Li a história exemplar, ou melhor, tropecei nela, e fiquei contente. Uma boa notícia!
A Junta de Freguesia de Ferro, com dois enfermeiros e uma engenheira, sabe como gastar o dinheiro conseguido através da recolha de monos. As pessoas da terra não deixam escapar uma máquina de lavar abandonada na estrada sem ir a correr avisar. De uma cajadada, a Junta trata da saúde ao ambiente e à população, até porque, em vez de dar o dinheiro às famílias, oferece vacinas no valor de 308 euros a cada recém-nascido.
Diz o presidente da Junta que o dinheiro só chega para 20 bebés por ano, mas que seria óptimo se precisasse de mais - queria dizer que havia mais gente a nascer.
Não vou perder tempo nem linhas a fazer a comparação óbvia da semana. São 6100 euros de vacinas contra meningites ou pneumonias, não são 1,7 milhões.
Prefiro deixar escritos os nomes dos responsáveis da Junta - Paulo Tourais, Magda David e Augusto Macedo. Foram eleitos na lista do PSD, com 75 por cento, mais do que o mesmo partido ali conseguiu para a Câmara.
Apetece-me, no entanto, colocar uma questão que é hoje muito actual: os eleitores sabem o que fazem quando votam, e sabem-no tanto melhor quanto mais próximos estão dos eleitos. Mas nem todos os eleitos merecem a confiança que lhes é dada, nem todos sabem fazer contas e tomar decisões a pensar nos que estão agora a nascer.
Ferro, pequena freguesia da Covilhã, transforma sucata em vacinas, e isto não é uma metáfora nem um passe de mágica. Chama-se a isto saber gerir os meios disponíveis, em benefício da população sem gastar à toa os dinheiros públicos nem criar situações insustentáveis.
Os heróis da minha escola eram verdadeiros ou falsos, honestos ou bandoleiros. Não importa. Dois enfermeiros e uma engenheira podem fazer toda a diferença nos dias de hoje.