sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Cézanne, Van Gogh, Picasso, Dalí entre muitos outros a partir de Outubro na Fundação Gulbenkian exposição 'A Perspectiva das Coisas. A Natureza-morta na Europa'

Fundação Calouste Gulbenkian, 15-09-2011

É inaugurada em Outubro a grande exposição do Museu Calouste Gulbenkian dedicada à pintura e natureza-morta europeia, com obras de Cézanne, Van Gogh, Picasso, Dalí, Gauguin e tantos outros.
Neil Cox, o comissário da exposição, desvenda o que vamos poder ver a partir do dia 21 de Outubro.

O Museu Calouste Gulbenkian vai inaugurar a segunda parte de uma grande exposição em que se pretende estudar os diferentes aspectos da pintura de natureza morta na Europa. Na qualidade de comissário desta segunda parte, coube-me o desafio de ponderar como poderíamos pensar em algo tão tradicional como a natureza-morta, isto é, a representação de um grupo de objectos – sejam eles flores, instrumentos, conchas ou uma caveira, geralmente colocados sobre uma mesa – no contexto da modernidade.

Com o título geral em inglês In the Presence of Things (Na Presença das Coisas), esta mostra, em duas partes, recebeu, em português, o nome de A Perspectiva das Coisas, cujo significado, ainda que ligeiramente diferente, não deixa de ter a sua pertinência. A segunda parte da exposição tem como ideia base explorar de que modo, num contexto de modernidade, o significado da natureza-morta se alterou à medida que o significado dos objectos, e a experiência subjectiva dos mesmos, também se alterava. E, dado que é praticamente impossível construir desta vez uma narrativa histórica uniforme, poderão os visitantes contar com uma viagem através de uma diversidade de temas, plena de nomes surpreendentes, lado a lado com as figuras mais destacadas da história da arte moderna.

É hoje comum a ideia de que a arte moderna é interessante porque nos apresenta as reacções do artista perante o mundo, recorrendo à pintura para exprimir ideias ou sentimentos, em lugar de nos apresentar uma representação realista do mesmo. É claro que a própria ideia de que as reacções subjectivas são interessantes é já, em si, moderna, podendo nós a este propósito pensar na obra de Freud ou no surgimento do romance psicológico como prova disso mesmo. A exposição defende que esta aproximação ao subjectivo, e consequente afastamento dos imperativos do real, contou com a ajuda da invenção da fotografia por volta de 1840. A fotografia produzia imagens através da luz reflectida nos objectos e nas pessoas, e fê-lo segundo uma óptica completamente diferente. É fácil de constatar que esta tecnologia libertou a pintura da incumbência da representação realista, ao fazê-lo, abriu o caminho para que artistas como Vincent van Gogh, Henri Matisse ou Odilon Redon (todos eles representados na exposição) pintassem segundo uma nova noção de liberdade em termos de cor e de forma. Usando as palavras do poeta Stéphane Mallarmé em 1864, a tarefa consistia agora em “pintar, não o objecto, mas o efeito que ele produz”. Nesta frase, podemos já verificar que o estatuto do objecto se tornou um problema: os objectos são “efeitos” numa pintura que agora nos apresenta os sentimentos do artista. Se considerarmos uma outra perspectiva, podemos concluir que a fotografia não aboliu o realismo, tendo, outrossim, contribuído para uma nova compreensão da realidade. Segundo este ponto de vista, as fotografias foram ao encontro do positivismo oitocentista e de certas políticas progressistas. O “realismo” de Gustave Courbet é o melhor exemplo disso mesmo. Mais tarde, a ideia de que a fotografia apresentava uma nova forma de realidade seria adoptada e transformada pelo Surrealismo. Salvador Dalí, por exemplo, combinava um fascínio pela realidade revelada pela fotografia com uma técnica pictórica que pretendia sugerir a qualidade expressiva, quase fotográfica, dos sonhos. Mas, à semelhança de outros artistas surrealistas representados na exposição, como René Magritte e Max Ernst, Dalí não defendia o tipo de realismo presente em Courbet. O termo "surrealismo" pretendeu anunciar a resolução do hiato existente entre a experiência inconsciente e consciente, entre o sonho e a vigília.

Os artistas modernos trabalhavam numa situação de mercado; como tal, muitas das obras apresentadas foram criadas por pintores que desenvolveram uma maneira ou uma temática característica, que lhes granjearia o sucesso comercial. Chaïm Soutine, por exemplo, era inicialmente um artista pobre com um fascínio pelo espectáculo da carne, patente em O Boi Esquartejado de Rembrandt (Museu do Louvre, Paris). Soutine era um lituano que partiu para Paris para se tornar um artista moderno. Muitos dos maiores artistas portugueses modernistas, incluindo Amadeo de Souza-Cardoso e Eduardo Viana, fariam o mesmo, assim como o espanhol Pablo Picasso. A presente exposição, constituída por mais de noventa obras, tem como objectivo contar a história destes artistas, colocando simultaneamente a questão da modernidade.

Neil Cox
(in Newsletter NÚMERO 126, de Setembro 2011)


SOBRE O COMISSÁRIO
Neil Cox é especialista em arte francesa do século XX, com fortes interesses teóricos e filosóficos, tendo escolhido Picasso como tema da sua tese de doutoramento. Organizou, em 1995, uma importante exposição sobre a representação de animais na obra de Picasso, sendo co-autor do livro que acompanhou a mesma, A Picasso Bestiary. É igualmente co-autor de um livro sobre Marcel Duchamp, da World of Art Series da editora Thames and Hudson, autor de Cubism, integrado na série Art and Ideas da Phaidon, bem como de The Picasso Book publicado pela Tate. É membro da International Advisory Board of the Research Forum do Courtauld Institute. É professor de História e Teoria da Arte na Universidade de Essex.

Outras obras que farão parte da exposição...