05.04.2009, Natália Faria
O casamento pode matar o amor romântico mas não tem que ser assim
É uma espécie de descoberta do amor verdadeiro. Cientistas norte-americanos analisaram o cérebro de alguns casais e provaram que estes continuam apaixonados ao fim de 20 ou 30 anos de vida em comum. Melhor ainda: com a excitação típica das paixões, mas livres da obsessão e do ciúme. São "casos raros", alerta Júlio Machado Vaz, mas que provam que vale a pena investir nas relações de longo prazo.
Oscar Wilde não tinha razão. Ao contrário do que dizia o dramaturgo (e nós acreditamos porque nos disseram que é assim), o casamento ou as relações longas não têm que ser nenhuma sentença de morte para o amor romântico. Este pode sobreviver a 50 anos de vida em comum tão profundo e tão incólume como no estado de paixão. Melhor ainda: igualmente intenso, absorvente e sexualmente activo, mas sem o traço obsessivo que caracteriza os apaixonados.
A conclusão está contida no estudo Does a Long-Term Relationship Kill Romantic Love? (Uma Relação Duradoura Mata o Amor Romântico?, em tradução literal), feito por Bianca P. Acevedo, psicóloga e investigadora da Stony Brook University, em Nova Iorque. "A generalidade das pessoas habituou-se a pensar que uma relação de décadas, com ou sem casamento, se reduz inevitavelmente a uma relação de companheirismo e de ternura apenas. E nós percebemos que não é necessariamente assim: é possível que, ao fim de 40 ou 50 anos, o casal continue enamorado e sexualmente motivado, tal como quando se apaixonou", declarou Bianca P. Acevedo, em conversa telefónica com o P2.
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[Júlio Machado Vaz, sexólogo]
"Nós tendemos a olhar para o amor como um subproduto da paixão, a mitificar a paixão, e isso não é justo. Muitos casais que passam pelo meu consultório dizem que gostaram muito de estar apaixonados mas que gostam mais do que conseguiram ao fim de muitos anos. E, efectivamente, um amor longo, em que a intimidade se desenvolveu e a confiança também, é muito gratificante. Aqui, ao contrário do que se passa na paixão, a pessoa já conhece o outro como ele é na realidade e não como o construiu na sua cabeça ou como ele se apresenta perante o outro. Num estado de paixão nós somos aquilo que somos mais aquilo que achamos que o outro gosta; a isso chama-se sedução, e esse tipo de relação satisfaz no curto prazo, mas depois é impossível de manter."
Há mais boas notícias a somar a estes argumentos. Nas relações onde perdura o amor romântico, os membros do casal analisados por Bianca P. Acevedo evidenciaram uma auto-estima elevada e mostraram-se mais satisfeitos com a vida em geral. Já os casais unidos pelo amor companheiro demonstraram uma satisfação moderada, enquanto os que estavam presos a relações insatisfatórias e conflituosas denotaram um desagrado generalizado. "Já há muita literatura que explica que uma relação amorosa feliz reforça o sistema imunitário das pessoas e aumenta o seu bem-estar psicológico", diz ao P2 Bianca P. Acevedo. "Os casais que têm relações longas e felizes desenvolvem uma intimidade e uma confiança, sem aquele medo de se vai ser deixado ou não, que não só solidifica a relação como dá uma gratificação muito grande", reforça Machado Vaz.
Esta descoberta pode mudar as expectativas com que partimos para relações de longo prazo. De acordo com os autores, apostar numa relação para a vida inteira não tem que ser sinónimo de conformismo ou de abnegação. "A ideia, assumida por milhares de casais, de que para estarem juntos têm que aceitar a transformação do amor que sentiam numa espécie de amor-amizade deixou de fazer sentido", sublinha Bianca P. Acevedo.
Dito de outro modo, o amor romântico passou a estar ao alcance de todos os casais. "Os casais que estão juntos há muitos anos e querem voltar a sentir-se apaixonados podem aspirar a isso", anunciou, para ressalvar: "Claro que isso implica energia e devoção."
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Afinal, o mais difícil - provar que Oscar Wilde estava errado quando dizia que devíamos viver apaixonados e que por isso é que ninguém deveria casar-se - os cientistas já fizeram por nós.
Fonte: Público